Geologia e Arqueologia
Geologia, Arqueologia e o Antigo Egito
A
Geologia é a ciência que estuda a formação e evolução do planeta Terra e seus
processos. Hoje a geologia avançou para o estudo dos planetas e das luas em
geral tanto no nosso Sistema Solar como em sistemas exoplanetários. O objeto
fundamental de estudo são as rochas, que por sua vez são aglomerados de
minerais. Assim como a unidade básica dos organismos vivos na biologia é a
célula, as unidades básicas das rochas na geologia são os minerais.
Os
campos de estudo da geologia reúnem o estudo dos três grandes grupos de rochas
que existem na natureza: Ígneas, Sedimentares e Metamórficas. Além disso, as
extensões desse estudo abrangem conhecimentos básicos e avançados de
Mineralogia, Geoquímica, Paleontologia, Geofísica, Sedimentologia,
Estratigrafia, Geologia Econômica, etc. Outro importante campo de estudo da
geologia é a Meteorítica, o estudo dos meteoritos, as rochas que se originam do
espaço interplanetário.
Síntese sobre as
Bases da Ciência Geológica
A
Geologia começa com os trabalhos do escocês James Hutton no século XVIII quando
ele se torna o primeiro ser humano a raciocinar de forma lógica sobre a
formação, transformação e jazimento das rochas na superfície do planeta. A
conclusão de Hutton foi de que a Terra era incrivelmente antiga porque os processos
geradores das rochas na crosta terrestre eram lentos e graduais. Um século mais
tarde o cientista Charles Lyell veio a publicar o primeiro livro científico
sobre geologia em três volumes entitulado "Princípios de Geologia"
onde ele reúne as ideias inovadoras de Hutton e os conhecimentos avançados da
época sobre as rochas e o tempo geológico profundo reunindo as quatro leis de
Steno da estratigrafia.
Chales Lyell, geólogo britânico autor da obra
"Princípios de Geologia" de três volumes.
Nicolas
Steno, século XVII, foi o formulador dos princípios da sucessão de pacotes de
rochas sedimentares. A sucessão e correlação com uma sequência cronológica dos
eventos de sedimentação é estudada pela Estratigrafia. Os princípios de Steno
afirmam que as rochas sedimentares mais novas descansam sempre acima das rochas
mais antigas (Princípio da Superposição), também que essas rochas se depositam
por ação principal da gravidade o que resulta em um jazimento originalmente
horizontal com a superfície do local de sedimentação (Princípio da
Horizontalidade Original), o terceiro princípio afirma que uma mesma camada
horizontal de rocha tem a mesma idade em toda a sua extensão de geometria
aproximadamente tabular (Princípio da Continuidade Lateral) e o quarto princípio
demonstra que fósseis de certo tipo ocorrem apenas em certas camadas de rocha e
depois desaparecem sendo sucedidos por novos tipos de fósseis acompanhando o
princípio da superposição (Princípio da Sucessão Faunística). Esse princípio
era já um prelúdio da Teoria da Evolução.
O
livro de Charles Lyell influenciou Charles Darwin, naturalista britânico do
século XIX, a formular a sua teoria da origem das espécies pela seleção
natural. Seu livro publicado mostrou a primeira teoria científica sobre o desenvolvimento
das formas de vida na Terra, que ficou conhecida como Teoria da Evolução.
Alfred Russell Wallace também chegou às mesmas conclusões de Darwin e eles
resolveram publicar juntos, apesar de Darwin ter ficado mais famoso. As ideias
sobre os processos lentos que ocorrem no registro geológico inspirou Darwin a
formular sua teoria do gradualismo afirmando que os organismos vivos se
modificam na escala de populações na escala do tempo geológico (de milhões e
até mesmo bilhões de anos), dando origem a pelo menos duas novas espécies a
partir de um ancestral comum.
Com
o advento da geocronologia graças à descoberta da radioatividade dos núcleos
atômicos pela química Marie Curie no início do século XX, o geoquímico Clair
Patterson em 1956 publicou seu artigo sobre a Idade da Terra. Patterson reuniu
vários meteoritos e realizou a datação radiométrica destes utilizando o sistema
isotópico Urânio-Chumbo. Patterson teve o insight de utilizar os meteoritos
para datar a Terra porque ele concluiu corretamente que os meteoritos teriam
todos aproximadamente a mesma idade e seriam fragmentos dos planetesimais, os
materiais da época pré-planetária do Sistema Solar. Datando os meteoritos ele
chegaria à idade do Sistema Solar e consequentemente à idade da Terra. As rochas
terrestres da época da formação planetária desapareceram há muito tempo devido
à geologia ativa do planeta. Hoje sabemos que o cristal de zircão mais antigo
já datado tem 4,4 bilhões de anos, sendo um grão detrítico coletado de rochas
metassedimentares de 2,7 bilhões de anos de afloramentos da região de Jack
Hills na Austrália.
O
próximo passo de Clair Patterson foi reunir uma isócrona (Reta de mesma idade
para várias amostras em um sistema isotópico) com todos os meteoritos e
sedimentos do fundo marinho e todos eles estavam correlacionados dando uma
idade de 4,5 bilhões de anos. A Terra é deveras muito antiga, devido às
observações astronômicas e aos modelos cosmológicos atuais sobre a expansão do
espaço-tempo em escala cosmológica, sabemos que o Universo tem 13,8 bilhões de
anos de idade. A Terra se formou quando o Universo tinha 9,3 bilhões de anos!
Concepção artística da formação da Terra.
A
Terra possui uma geologia ativa, isso significa que seu interior é quente e
diferenciado, isto é, pode ser separado em pelos menos três camadas principais:
Crosta, Manto e Núcleo. O calor residual da acreção planetária e das
desintegrações radioativas dos radioisótopos presentes no conteúdo da Terra
desde à epoca acrecionária, contribuíram para que a Terra fosse no seu início
praticamente uma bola de magma incansdescente. O núcleo da Terra contém ainda
esse calor primordial que flui pelo manto até chegar à crosta terrestre. O
fluxo de calor no Manto terrestre superior, até 660 km de profundidade média,
se dá por movimentação lenta de massa rochosa em comportamento plástico. Na
escala de tempo geológico as rochas quentes sob alta pressão no manto fluem como
um líquido altamente viscoso. Lembrando de que a matéria flui em todos os
níveis no Universo, dependendo apenas da escala de tempo. Por exemplo, a
matéria sólida mais dura e tenaz que existe é a massa de nêutrons que compõem
as chamadas Estrelas de Nêutrons. Esse material é inteiramente feito de
nêutrons densamente agrupados com uma densidade absurda de 10 elevado a 14
quilogramas por metro cúbico, sendo a densidade média de um núcleo atômico.
Mesmo essa matéria sob alta pressão degenerativa, temperatura interna teórica
de alguns milhões de kelvins e uma densidade extraordinariamente grande, em uma
escala de tempo de bilhões de anos, o interior de uma estrela de nêutrons flui
como que por convecção produzindo poderosos campos magnéticos e jatos de ondas
de rádio, por isso essas estrelas colapsadas recebem o nome de pulsares.
Saindo
da física extrema das estrelas de nêutrons e retornando ao mundo normal da
Terra com sua densidade comparativamente irrisória e sua reologia fraca em
comparação com a rede de nêutrons, seu manto flui por convecção de massa
levando matéria quente para porções mais superficiais da crosta. Como resultado
existe uma região parcialmente fundida que vai de 100 km até 400 km de
profundidade em média, denominada Astenosfera. Essa região do manto superior
terrestre movimenta a crosta dura do planeta que é toda fragmentada como uma
casca de ovo quebrada. Cada "casca" representa uma Placa Tectônica.
As placas tectônicas são movimentadas pelos movimentos de convecção térmica do
manto. A variável fundamental que rege a fluidez do manto é o Tempo Geológico.
No intervalo de tempo de vida de um ser humano nenhum processo geológico
importante como formação de cadeias de montanhas (Orogênese) ou abertura de um
novo oceano (Tafrogênese)ocorrem porque nesse intervalo de tempo ínfimo de
menos de um século o manto terrestre é tão rígido e duro quanto às rochas que
compõem a crosta terrestre. Como consequência da tectônica de placas a Terra
tem suas rochas constantemente recicladas por compressão, distensão e
magmatismos induzidos pelo constante movimento das placas da crosta terrestre
devido à convecção térmica do manto superior, especificamente do manto
astenosférico. Ao ciclo de abertura da crosta com formação de bacias oceânicas
e de fechamento da crosta oceânica e colisão de continentes com formação de
cadeias de montanha com dobramentos complexos dá-se o nome de Ciclo de Wilson.
A reciclagem das rochas no planeta em razão dos processos tectônicos e dos
processos exógenos de intemperismo, erosão e transporte sedimentar, é chamada
de Ciclo das Rochas.
As
rochas ígneas são geradas pela cristalização do magma, um fluido de silicatos
quente que se forma pela fusão parcial das rochas do interior do planeta por
descompressão, aumento do teor de fluidos quentes ou mesmo anomalias térmicas
localizadas. As rochas magmáticas ou ígneas podem cristalizar no interior da
crosta alojadas nas rochas encaixantes produzindo rochas com cristais grandes
chamadas de Rochas Plutônicas. Se o magma extravasa na superfície em eventos
vulcânicos a cristalização é rápida e a textura é de cristais microscópicos
sendo a rocha resultante Vulcânica ou Extrusiva.
Diagrama esquemático simplificado de um ambiente
geológico de formação de rochas ígneas (vulcânicas e plutônicas).
Amostra de mão de um granito rosa, observar os
cristais grandes. Esse é um exemplo de rocha ígnea plutônica.
As
rochas sedimentares são formadas pela deposição de sedimentos oriundos de
outras rochas que foram intemperizadas e erodidas (o intemperismo é o processo
de desagregação e transformação dos minerais de uma rocha anterior e a erosão é
o processo de retirada de material da rocha pela água, gelo, vento ou
gravidade). Os sedimentos se depositam em regiões topograficamente rebaixadas
por tectônica de placas (subsidência tectônica) chamadas de Bacias
Sedimentares. Os sedimentos se acumulam numa bacia sedimentar em camadas que
são soterradas e levadas a profundidades de até 2 km onde são submetidas a
modificações físico-químicas em um processo chamado de diagênese e a
consequência desses processos é a transformação de um pacote de sedimentos
inconsolidados em rocha sedimentar, o processo de conversão de sedimentos em
rocha sedimentar é chamado de litificação.
Afloramento de rochas sedimentares com seus
clássicos estratos tabulares. Pessoa como escala.
As
rochas metamórficas são o resultado da transformação termodinâmica no estado
sólido de uma rocha anterior, chamada de rocha pretérita ou protólito. O
protólito pode ser ígneo ou sedimentar. Quando um protólito é levado por
processos tectônicos a grandes profundidades na crosta ele é submetido a novas
condições de pressão e temperatura e seus minerais reagem e recristalizam no
estado sólido produzindo novos minerais que agora se apresentam em equilíbrio
termodinâmico. Metamorfismo é qualquer processo de transformação da mineralogia
e/ou textura de uma rocha pretérita no estado sólido seja pela deformação e
aumento de temperatura e pressão de soterramento ou por interação da rocha com
fluidos hidrotermais. Existem vários metamorfismos determinados de acordo com
os ambientes geológicos e/ou processos envolvidos.
Então,
antes tarde do que nunca, e o que são os minerais? Mineral é um sólido natural
inorgânico que possui arranjo tridimensional ordenado e periódico de seus
átomos e possui uma composição química bem definida variando dentro de certos
limites e é estável na temperatura de 25°C e pressão de 1 atm. As exceções a
essa definição são o gelo natural (das gelerias e calotas polares) que não é
estável à 25°C e o mercúrio, o único metal da Tabela Periódica que está no
estado líquido na temperatura ambiente. Visto que a nível atômico os minerais
são cristais ordenados em arranjos tridimensionais chamados de redes
cristalográficas, eles se cristalizam em apenas sete sistemas cristalinos:
Cúbico ou Isométrico, Tetragonal, Trigonal, Hexagonal, Ortorrômbico,
Monoclínico e Triclínico. Materiais inorgânicos precipitados na forma coloidal
e/ou amorfa por processos geológicos ou biológicos não são considerados
minerais e são chamados de Mineraloides. Exemplos clássicos de mineraloides
são: A calcita - carbonato de cálcio - de conchas e carapaças de animais
marinhos, Opala, Jaspe, Chert, Calcedônia, Pérola, etc.
Exemplo de retículo cristalino mostrando o arranjo
tridimensional periódico dos átomos em um mineral.
A
classificação química dos minerais os separa de acordo com seu grupo aniônico.
Como a maioria esmagadora dos minerais são sólidos que possuem ligações
iônicas, eles sempre terão um grupo de átomos que contém carga eletrostática
negativa (Grupo Aniônico) e um grupo de átomos com carga positiva (Grupo
Catiônico). Geralmente os ânions são íons de elementos químicos ametálicos ou
semi-metálicos e os cátions são íons de metais. Os grupos químicos principais
dos minerais são: Elementos Nativos (ouro, prata, grafita, diamante, mercúrio,
etc); Sulfetos (pirita, galena, calcopirita, etc); Sulfatos (gipsita, barita,
celestita, etc); Carbonatos (calcita, magnesita, dolomita, cerussita, etc),
Haletos (halita, silvita, argentita, carnalita, etc); Sulfossais (arsenopirita,
realgar, calaverita, etc); Boratos (bórax); Nitratos (salitre); Vanadatos
(vanadinita); Tungstatos (scheelita, wolframita, etc); Óxidos (magnetita,
hematita, coríndon, cromita, espinélio, etc); Hidróxidos (gibbsita, diásporo,
goethita, etc); Silicatos (olivina, piroxênio, feldspatos, quartzo, micas,
cloritas, argilominerais, serpentinas, epidoto, granadas, zircão, berilo,
turmalina, etc); Fosfatos (apatita, monazita, xenotímio, turquesa, etc).
Visto
que 46% da massa da Terra é composta do elemento oxigênio e 27% é composta de
silício, os minerais mais abundantes da Terra, pelo menos na crosta e manto
superior, são os silicatos. Pesquisadores recentemente demonstraram que o
mineral mais abundante da Terra, que está em alta pressão compondo boa parte do
manto, é um espinélio (óxido) de magnésio chamado Bridgimanita. Os minerais
mantélicos são instáveis na crosta terrestre, portanto, os silicatos são os
minerais formadores de rocha que observamos na natureza. Esses minerais são
olivinas, piroxênios, feldspatos (álcali-feldspatos e plagioclásios), quartzo e
zircão ocorrendo em quantidades pequenas, mas quase sempre presente. O zircão é
o mineral ideal para geocronologia porque ele fraciona bem o elemento
urânio-238 que decai para chumbo-206 com uma meia-vida de 4,5 bilhões de anos.
Silicatos que ocorrem em proporções variadas, mas ainda frequentes, são
anfibólio, micas, cloritas, serpentinas e argilominerais. Minerais
especificamente metamórficos que ocorrem com frequência são granada,
estaurolita, silimanita, cianita, andaluzita e cordierita. Os argilominerais
ocorrem, como o nome já indica, na fração granulométrica argila, onde sua
estrutura cristalina é deduzida apenas em análises de difração de raios-x. Os
argilominerais são produto do intemperismo químico de minerais instáveis ao
intemperismo superficial sendo principalmente olivinas, piroxênios e
feldspatos. Do ponto de vista termodinâmico, a maioria dos minerais nas
condições ambientais de nosso planeta são metaestáveis, isto é, eles se mantêm
intactos, mas se reagirem com umidade, sais e outros minerais, eles podem se
modificar para outros minerais ou mesmo massas amorfas.
Síntese sobre a
Arqueologia
O
estudo da geologia não termina por aqui, esta foi uma breve apresentação do
vasto campo dessa ciência. Aqui vamos aplicar conhecimentos geológicos no
estudo da cultura material da civilização do antigo Egito. A Egiptologia
tornou-se uma disciplina à parte de certa forma, mas ainda faz parte da
Arqueologia. Essa ciência é o estudo da evolução de uma cultura humana com o
passar do tempo. Uma cultura pode ser definida de diferentes maneiras, mas em
geral representa o conjunto de atividades e interações sociais de uma
comunidade humana. Uma cultura é constituída de organização social, como
hierarquias de comando e administração, religião, rituais específicos, modos de
comportamento das pessoas e sua cultura material. A cultura material é todos os
objetos, chamados de artefatos na arqueologia, que faziam parte da vida
cotidiana e das atividades em geral daquele grupo de pessoas. Uma civilização é
caracterizada como uma organização estratificada da sociedade humana que
atingiu um nível de complexidade administrativa que reúne um grande arcabouço
de cultura sustentado pela agricultura, trocas comerciais e domesticação
animal. Essas definições são fluidas e apenas expressam a ideia central sobre o
estudo arqueológico.
Exemplos
de cultura material do Egito antigo são potes cerâmicos, instrumentos de rocha
chamados de artefatos líticos, estátuas, estatuetas, cidades, vilarejos,
templos, pirâmides, obeliscos, palácios, sarcófagos, tumbas, papiros, estelas,
jarros, joias, móveis, múmias, óstracos (cacos cerâmicos com inscrições), etc.
Os níveis da arqueologia são separados nas seguintes hierarquias: Estilo,
Artefatos, Séries e Estratigrafia. Os princípios da Arqueologia são: Princípio
da Seriação, Princípio da Popularidade e Princípio da Estratigrafia. A seriação
foi desenvolvida primeiramente no final do século XIX pelo Arqueólogo e
Egiptólogo britânico Sir Flinders Petrie que escavou sítios pré-históricos e
pré-dinásticos na antiga necrópole egípcia de Abydos. Lá ele descobriu vários
potes cerâmicos com ornamentações simples e complexas. Correlacionando as
cerâmicas entre si, Petrie reuniu os potes mais simples até os mais complexos
numa gradação que ele pôde deduzir indicar uma sequência cronológica. O
princípio da seriação basicamente afirma que os artefatos menos sofisticados
precedem os artefatos mais sofisticados. O princípio da popularidade diz
respeito ao uso de um determinado estilo de artefato e do desuso de outro
estilo. Artefatos mais utilizados possuem uma demanda de confecção maior e são
mais abundantes ou populares no registro arqueológico. O princípio da
Estratigrafia se vale dos conceitos da geologia sobre o princípio da
superposição das camadas de sedimentos primeiramente formulado por Nicolas
Steno no século XVII.
O método da seriação de Flinders Petrie onde ele
organizou estilos de potes cerâmicos da cultura Naqada (Egito Pré-Dinástico) do
menos elaborado para o mais elaborado estabelecendo um método cronológico
relativo.
A
estratigrafia é muito importante em arqueologia porque os artefatos recuperados
em escavações in situ ocupam posições determinadas por níveis estratigráficos.
Artefatos recuperados em camadas superiores são de uma época mais recente do
que aqueles recuperados em estratos mais profundos. A história do Egito Antigo
remonta a níveis estratigráficos com 7000 anos de idade até o Egito
Pré-Dinástico. Vários egiptólogos comentam a complexidade dos sítios
arqueológicos no Egito onde templos de faraós da 18ª Dinastia repousam sobre
pilhas de rejeito e escombros de templos construídos nas primeiras dinastias
que por sua vez podem estar jazendo acima de níveis de deposição sedimentar do
Rio Nilo da época do Egito Pré-Histórico. O estudo da cultura material abrange principalmente
a seriação de Petrie e o princípio da estratigrafia em conjunto para estudar a
sucessão cronológica de eventos. Os estratos sedimentares nos sítios
arqueológicos podem então ser calibrados pela datação radiométrica de restos de
plantas e animais e também de madeira e carvão. A datação por carbono-14 é a
principal utilizada em arqueologia podendo estabelecer a idade de artefatos com
até 70 mil anos de idade pelo método da contagem de desintegrações radioativas
por unidade de tempo de uma amostra preparada e até 100 mil anos pelo método de
espectrometria de massa por contagem individual de isótopos de carbono. Outro
método comumente usado na arqueologia é a termoluminescência que consiste de
datar artefatos pela exposição destes por radiação solar ultravioleta que
mantém certos elétrons nos átomos de uma amostra ocupando certas vacâncias que
são liberadas com a quantidade certa de energia de irradiação solar. O método
da termoluminescência consegue datar até cerca de 200 mil anos. O carbono-14 tem
uma meia-vida de 5730 anos e é produzido na alta atmosfera através da colisão
de nêutrons dos raios cósmicos com átomos de nitrogênio da atmosfera.
A
taxa de interação entre átomos de nitrogênio e os raios cósmicos pode ser
considerada constante numa escala de tempo de 100 mil anos, no entanto, a
quantidade de carbono na forma de dióxido de carbono na atmosfera flutuou muito
durante a Revolução Industrial e amostras dessa época possuem quantidades
anômalas da razão entre os isótopos de carbono e esse tipo de situação precisa
ser calibrada. Quando uma amostra é datada por C-14 a idade encontrada diz
respeito ao tempo de decaimento do carbono-14 que não necessariamente tem que
ver com o tempo cronológico de nossos calendários sendo necessário realizar uma
calibração. A calibração é normalmente feita através do método de
Dendrocronologia que utiliza a contagem dos anéis de crescimento nos troncos de
árvores, que representam um ano de crescimento do vegetal, que possuem a idade
radiocarbônica conhecida.
O decaimento radioativo do núcleo de isótopo do
carbono-14 de volta a nitrogênio-14 com uma meia-vida de 5730 anos.
A
partir da datação de C-14 de anéis de árvore com idades contadas, as datas são
calibradas para nosso calendário. Com a fundação da Igreja Católica na Europa
como produto principal do Império Bizantino, os eruditos da época estabeleceram
um marcador para a história que separa a linha do tempo em anos do calendário
que ocorreram "antes de Cristo - a.C." e anos do calendário que
aconteceram "depois de Cristo - d.C.”. Muitos utilizam também os termos
"Antes da Era Comum (ou Cristã)" - AEC" e "Era Comum (ou Cristã)
- EC". A Era Comum ou depois de Cristo também é conhecida como Ano Domini
(ano de dominação do senhor Cristo como estabelecido principalmente pela Igreja
Católica e convenções históricas) que é abreviada para A.D. Para datas muito
recuadas da nossa era como, por exemplo, o Egito Pré-Histórico que é contado a
partir do Paleolítico Inferior há 700.000 anos, não é
necessária calibração de radiocarbono e considera-se "Antes do Tempo
Presente" ou "Antes do Presente" abreviado para A.P.
Tecnicamente o "presente" é considerado pela calibração do carbono-14
como a data de 1950 d.C.
A
ciência arqueológica muitas vezes possui uma relação tão intrínseca com a
geologia, como no caso das culturas materiais que se valem de rochas e o
princípio da estratigrafia, que às vezes os métodos de datação geocronológica
também são aplicados à arqueologia como também métodos geofísicos para inspeção
de sítios arqueológicos antes de serem escavados. O campo de estudo da
Geoarqueologia há muito tempo já é uma realidade, sendo um campo da ciência
interdisciplinar que resolve problemas arqueológicos utilizando princípios
geológicos. A arqueologia também é divida em duas principais linhas de
pensamento: Arqueologia Histórica, também chamada de História da Cultura e
Arqueologia Antropológica. A História da Cultura é o método de reconstruir uma
cultura e/ou uma civilização e sua linha de tempo de eventos utilizando
documentos escritos para remontar com base em escritos históricos ou mesmo
semi-históricos a história de um povo. O método de coleta de fragmentos
documentários e a reunião destes em um quebra-cabeça coerente é chamado de
Historiografia, mais especificamente este é a análise do processo de criação da
História. A arqueologia que se vale de documentos históricos tem a vantagem de
ter a direta informação dos eventos na linha temporal daquela cultura e/ou
civilização. No entanto, muitos povos antigos misturavam contos míticos com
fatos reais e o trabalho do Arqueólogo Historiador é saber separar e
interpretar corretamente as narrativas dos documentos. Além de que muitos
destes documentos são fragmentários e trabalho de aferição é quase sempre
necessário.
A Pedra de Palermo é um fragmento que contém
escritos hieroglíficos com os nomes dos faraós em ordem cronológica desde a 1ª
Dinastia até a 5ª Dinastia. Essa pedra é um exemplo de documento utilizado pelo
método da História da Cultura.
A
arqueologia antropológica recorre diretamente aos artefatos, sítios
arqueológicos e estudos diversos no que se pode extrair de dados
comportamentais e organizacionais de uma cultura e/ou civilização para montar o
quebra-cabeça dos eventos históricos de modo indireto e menos literário de
acordo com a História da Cultura. Existem vários linhas de pensamento de como a
Arqueologia Antropológica deve proceder, mas de modo geral o uso das evidências
físicas que dizem respeito aos modos de comportamento de um povo e de como eles
se enxergavam é o objeto central de elaboração de hipóteses da arqueologia
antropológica, se valendo mais da metodologia científica tradicional. Ambos os
métodos arqueológicos são imprescindíveis para a conclusão da investigação
científica. Por exemplo, se muitos documentos são encontrados e são abundantes
num registro arqueológico como acontece no caso da Egiptologia, então a
História da Cultura é fundamental para remontar o quebra-cabeça. Mas materiais
também são encontrados, inclusive os corpos preservados de faraós, pessoas da
nobreza e até mesmo de indivíduos mais humildes da sociedade, esses corpos são
as múmias, que fornecem valiosas informações antropológicas aos pesquisadores.
Na Egiptologia a história da cultura e a arqueologia antropológica são
igualmente importantes.
Resumo
sobre a Geologia do Egito
A
fisiografia do Egito o divide em Alto Egito que representa a região sul
correspondendo às cinco cataratas do Nilo na região de Aswan onde existem os
arenitos do Grupo Núbio que repousam sobre o Complexo do Embasamento
Cristalino, o Alto Egito abrange também as regiões de Nekhen (Hierakonpolis),
Aswan, Abu (Elefantina) e Naqada (Nagada). O Médio Egito corresponde aos
platôs de rochas sedimentares de cada lado das margens do Nilo onde as cidades
de Tebas, Abydos e Edfu estão. O Baixo Egito é a região norte do Egito, que
corresponde às extensas planícies de deposição aluvionar recente, estão
Saqqara, Annu (Heliópolis), Khmum (Hermópolis) e Gizé, compondo o Delta do
Nilo que desemboca no Mar Mediterrâneo. Um pouco a sul do Delta estão o Oásis
de Fayium onde ocorrem afloramentos de rocha basáltica cuja pedreira é
explorada desde o Reino Médio do Egito Dinástico. No Baixo Egito também está no
extremo sul a cidade de Tebas e Mênfis como também a atual cidade do Cairo mais
a norte.
As
rochas do Embasamento Cristalino são as mais antigas do Egito, pertecendo ao
Pré-Cambriano com idades máximas de 2,6 bilhões de anos. As rochas mais
recentes do Egito datam do Quaternário Superior sendo depósitos aluvionares
depositados pelo Rio Nilo e depósitos sedimentares marinhos depositados pelos
Mares Mediterrâneo ao norte e Vermelho ao leste do país. As rochas ígneas e
metamórficas pré-cambrianas são classificadas como Complexo do Embasamento
Cristalino do Egito. As rochas do embasamento estão amplamente cobertas por
rochas sedimentares do Fanerozoico. Os depósitos continentais importantes
do Quaternário Superior são os extensos depósitos eólicos arenosos do vasto
Deserto do Saara. O Egito está dividido em Deserto Oriental e Deserto
Ocidental. As rochas sedimentares que recobrem o embasamento foram escavadas em
um estreito vale pelo rio Nilo, as margens do Nilo distantes consistem de
platôs de rochas sedimentares. As rochas pré-cambrianas afloram na região do
extemo sul da Península do Sinai e no sudoeste do Deserto Ocidental e nas
cadeias de Montanhas do Mar Vermelho.
Estátua de gnaisse tonalítico (Pré-Cambriano) do
faraó Khafra (Quéfren) da 4ª Dinastia.
Durante
o Paleozoico e Mesozoico os depósitos sedimentares do Egito foram formados em
ciclos alternados de eustasia (variação do nível do mar) que produziu extensos
pacotes sedimentares de rochas silicilásticas (conglomerados, arenitos e
folhelhos) intercalados com extensos pacotes de rochas de deposição de ambiente
marinho tanto raso quanto profundo como também de ambientes de transição
lagunares (calcários, margas, calcarenitos e evaporitos). Os depósitos
evaporíticos principais também são do Quaternário Inferior derivado de Playas
que existiam em maior quantidade no Deserto Oriental até o Mesolítico. O Grupo
Núbio são pacotes de arenitos que predominam a paisagem do Alto Egito onde
grandes quedas d'água ocorrem na região de Aswan, ali o rio Nilo é subdividido
em cinco cataratas que os egípcios evitavam porque não se podia velejar ali. O
último evento de soerguimento tectônico ocrreu durante o Terciário causando o
último ciclo de deposição de sedimentos siliciclásticos com a formação do
paleonilo que estava encaixado na zona de cisalhamento produzida na orogênese
pré-cambriana que produziu o sistema de falhas das Montanhas do Mar Vermelho.
As Pirâmides do Platô de Gizé foram construídas com
blocos de calcário extraídos de pedreira próxima, sendo as rochas de
idade terciária.
No
Quaternário Superior a nascente do rio Nilo passou a ser as terras altas da
Etiópia que contém extensos lagos e montanhas. Os ciclos relativamente
regulares do rio Nilo que começam a ser registrados no Egito Pré-Dinástico,
foram os responsáveis pela fertilização dos solos nas margens do Nilo. Durante
as cheias as planícies de inundação eram depositadas com silte e argila ricos
em matéria orgânica. Com o período de inundação esse material produzia uma
camada de solo fértil para plantação, daí se desenvolveu a agricultura por
volta de 5000 a.C. talvez um pouco depois, e o material rico em matéria
orgânica (húmus) depositado podia ser lavrado e arado. O históriador grego
Heródoto do 5º Século a.C. disse que o Egito era de fato "Dádiva do
Nilo". No deserto do Saara uma civilização extremamente complexa e estável
se desenvolveu com um sistema governamental e religioso notado por muitas
nações do Mundo Antigo. A cultura egípcia era tão estável, antiga e de impacto
que os povos que invadiram o Egito durante sua história antiga não conseguiam
influenciar os egípcios, do contrário, eles eram influenciados pela cultura
egípcia e completamente absorvidos por ela. A civilização egípcia do ponto de
vista das civilizações do Mundo Antigo como a Grécia e a Pérsia já era muito
antiga! Astronomia, matemática, arquitetura, escrita alfabética e religião
derivaram principalmente dos conhecimentos do Egito Antigo.
Os
Materiais Geológicos da Civilização do Antigo Egito
1. Pedras de
Construção: Eram rochas utilizadas para
construção de monumentos como as pirâmides, palácios e templos, as principais
rochas de construção eram calcário, arenito, basalto e granito que eram
comumente extraídas nas pedreiras de arenito do Grupo Núbio, calcário dos platôs
Quaternários e Terciários, da Pedreira de basalto de Fayium e de granito rosa
de Aswan.
2. Rochas
Ornamentais: Eram utilizadas para confecção de
estátuas e estatuetas de deuses, faraós e nobres, como também revestimentos de
paredes de templos, pisos e tetos, em certos monumentos como obeliscos e
piramidions, como também em jarros, vasos, estatuetas, jarros canópicos,
ushabtis, sarcófagos, estelas, etc. As rochas provinham das pedreiras do Médio
Egito em Wadi Hammamat, Aswan, Siwa, etc. As principais rochas ornamentais
utilizadas pelos egípcios eram granito rosa, granito escuro, gnaisse granítico
cinza, gnaisse tonalítico, esteatito (pedra sabão), arenito silicificado,
gipsita, basalto, metasiltito (que os egípcios chamavam de pedra de bekhen – a
famosa Paleta de Narmer é uma paleta ritualística de esmerilhar cosméticos
esculpida dessa rocha), calcarenito, andesito porfirítico (as rochas
porfiríticas provêm dos Mons Porphyrites como foi chamado pelos romanos,
localizada no Deserto Oriental), mármore, metaconglomerado, piroxenito e
serpentinito.
Jarros canópicos eram artefatos utilizados para
armazenar os órgãos do falecido mumificado. Esses são feitos de uma rocha
calcária de dissolução e precipitação sedimentar e/ou hidrotermal chamada de
travertino. Os Egiptólogos chamam esse material de alabastro egípcio.
3. Pedras
Utilitárias: Eram rochas utilizadas para
confecção de artefatos pequenos tais como facas (encontradas em sítios
Pré-Dinásticos em Gerzeh no Médio Egito), contas de colares, cabeças de cetro
ou clavas, pedras de mó e lâminas em geral. Os principais materiais eram chert,
arenito silicificado, obsidiana (da região do Mar Vermelho ou importada da
Etiópia), diabásio, andesito, meteoritos metálicos e basalto.
4. Gemas: Eram extraídas na Península do Sinai, na Núbia e na
Pedreira de Wadi Hammamat, algumas gemas eram importadas. Estão incluídos em
“gemas” todos os minerais que também eram empregados para uso de cosméticos e
ornamentações em geral como engastes, selos, anéis, braceletes, amuletos,
colares, etc., as principais gemas utilizadas pelos egípcios eram: Turquesa,
jaspe, lápis-lazuli, galena, ônix, quartzo (variedade “cristal de rocha”,
leitoso e ametista), malaquita, ágata bandada, sardônix, amazonita, carnélia,
esmeralda, peridoto (olivina), granada vermelha e água marinha.
5. Metais: O Egito Pré-Dinástico está localizado aproximadamente no
chamado Período Calcolítico, um período um pouco anterior à Idade do Bronze,
onde os povos extraíam o cobre dos seus minérios. Os minerais-fonte de cobre
para punhais, contas de colar, selos, etc., eram os carbonatos de cobre
malaquita e azurita que eram subproduto da extração do ouro e/ou do electro
(liga de ouro+prata). Os egípcios durante o Período Dinástico já produziam o
bronze e extraíam o estanho dos minérios de chumbo tais como a galena que era
minerada junto com o ouro e a malaquita de alteração supergênica
(intemperismo). A galena era fundida e dali se extraia o chumbo e o estanho e
traços de prata. Depois faziam as ligas de metal da galena com o cobre extraído
dos minérios de cobre. O bronze resultante tinha alto percentual de chumbo
porque os povos antigos nessa época ainda não distinguiam o chumbo do estanho
de forma apropriada. O ferro era conhecido dos egípcios desde o Egito
Pré-Dinástico através dos meteoritos, que eles fundiam e faziam pequenas contas
e talvez adagas desse metal que era considerado dos deuses, fato que evidencia
o conhecimento deles da origem celestial daquelas rochas. Tecnicamente, os
metais são subproduto dos materiais geológicos, mas o uso de meteoritos como
metal de utensílios torna o tópico "metais" mais próximo dos materiais
geológicos.
A adaga do faraó Tutankhamun encontrada junto às
pernas de sua múmia possui lâmina forjada de ferro meteorítico e empunhadura de
ouro.
Referências:
Fairchild, et al. Decifrando a Terra. 2009
Ian Shaw (Ed.). The Oxford History of Ancient Egypt. 2002
UCLA Encyclopedia of Egiptology
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